A meta de assentamentos, a previsão orçamentária proposta pelo Executivo federal para este fim e a atuação de ministros abriram uma nova fissura entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), histórico aliado do PT, e o governo. Desde janeiro, foram feitos 726 assentamentos, cerca de 10% do patamar estabelecido para março do ano que vem pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Parlamentares petistas ligados ao movimento fizeram questão de demonstrar a insatisfação com auxiliares diretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em uma reunião na semana passada do núcleo agrário do partido, o deputado Macron (RS) se queixou da falta de recursos e criticou os ministros Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Afirmou ainda que o chefe da Casa Civil, Rui Costa, não os recebe.
No mesmo encontro, Airton Faleiro (PT-BA) se queixou que a pasta do Desenvolvimento Agrário tem muito menos recursos em comparação com o Ministério das Cidades, por exemplo. A pasta comandada por Paulo Teixeira se comprometeu a assentar 7.200 famílias no país até março do ano que vem. Neste ano, porém, foram registrados apenas 726. Pela proposta orçamentária para 2024 enviada ao Congresso pelo governo, há R$ 202 milhões reservados à desapropriação de terras para a reforma agrária.
— No Brasil, nós temos 60 mil famílias acampadas. Se essa média for seguida, nós demoraríamos quase dez anos para assentar apenas quem está acampado. O orçamento mandado pelo governo para o Incra no ano que vem está praticamente com a mesma verba que o deste ano, que foi feito pelo (ex-presidente Jair) Bolsonaro, reclama João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST.
O MST considera que seriam necessários R$ 2,8 bilhões para assentar 50 mil famílias por ano.
— Não se trata de colocar a faca no pescoço do governo nem de constranger, muito menos de ameaçar. Não acho que precise fazer qualquer intimidação. O assentamento de todas essas famílias é um acordo de campanha. Só queremos que o governo respeite o acordo.
Encontro com Lula
Rodrigues defende que a gestão deveria manter o mesmo patamar de assentamentos vistos nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Em oito anos, foram atendidas cerca de 600 mil famílias. Pelo Plano Plurianual (PPA), o governo tem a meta de assentar 60 mil famílias até o fim da atual gestão, em 2026.
O líder sem-terra ainda afirma que a cúpula do movimento negocia um encontro com Lula para o mês de novembro para tentar ouvir do presidente qual o plano de seu governo para a reforma agrária em quatro anos.
Apesar da relação histórica com o PT, o MST acumula tensões com o governo desde o início do terceiro mandato de Lula. Logo no começo da gestão, houve descontentamento por causa da demora para indicação do novo superintendente do Incra. Em seguida, no mês de abril, o movimento iniciou uma série invasões, que deixaram o governo exposto a críticas, inclusive de partidos de centro no Congresso.
O movimento ocupou até uma área da Embrapa, empresa pública de pesquisa agrícolas, no estado de Pernambuco. O MST também avaliou que o governo não se empenhou para conter a instalação da CPI na Câmara, em maio. O receio era que a atuação de parlamentares bolsonaristas na comissão pudesse desgastar o movimento. A CPI terminou, porém, sem que o relatório final fosse sequer votado por seus integrantes.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário informou que o orçamento total do Incra para 2024 é 103% maior do que o de deste ano (R$ 567 milhões contra R$ 278 milhões). A pasta afirma que o programa de reforma agrária estava paralisado desde 2015. Acrescenta que o assentamento de 7.200 famílias é relevante para o primeiro ano de governo. “Nós temos a consciência que tal compromisso não pode ser realizado no marco de apenas um ano. De fato, o presidente Lula tem o compromisso com a reforma agrária, em sintonia com o mandamento constitucional”, diz o ministério.
O Globo