Sai governo, entra governo, e nada muda na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Ela tem a capacidade de atravessar administrações de espectros políticos antagônicos permanecendo intocável. Paraíso das verbas do orçamento secreto no governo Jair Bolsonaro e conhecido feudo do Centrão, a Codevasf continua, na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, a ser abrigo seguro para apaniguados e parentes de políticos influentes.
Presidida pelo engenheiro Marcelo Andrade Moreira Pinto, apadrinhado pelo líder do União na Câmara, Elmar Nascimento (BA), a Codevasf funciona hoje como uma empresa familiar. No comando da superintendência em Alagoas está João José Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A família Codevasf inclui ainda a assessora da presidência Juliana e Silva Nogueira Lima, irmã do senador Ciro Nogueira (PP-PI); o chefe da ouvidoria Leonardo Férrer de Almeida, filho do ex-senador Elmano Férrer (PP-PI); e a assessora Luana Medeiros Motta, mulher do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
No caso de Pereira, também conhecido por Joãozinho, o parentesco com Lira não é a questão mais relevante. Ele foi condenado duas vezes em primeira instância por mau uso de recursos públicos destinados à Educação e à Saúde quando prefeito do município de Teotônio Vilela (AL), e seus bens foram bloqueados pela Justiça. Se confirmadas as sentenças, poderá ficar impedido de assumir cargos públicos. Noutra ação, foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de superfaturar a compra de ambulâncias (foi absolvido nesse caso em duas instâncias, mas as decisões foram contestadas pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça).
A Codevasf foi criada em 1974 para apoiar a irrigação no Vale do São Francisco, mas sua área de atuação foi ampliada repetidas vezes, indo hoje do Amapá a Minas Gerais. Responsável por realizar obras, fornecer tratores e caixas-d’água em regiões assoladas pela seca, tornou-se alvo de políticos ávidos por seus recursos fartos e pelo potencial eleitoral que propicia. Em 2021, o valor destinado à Codevasf via emendas do relator chegou a R$ 1,3 bilhão, ou 40% de sua verba. No ano passado, só para Alagoas a empresa recebeu R$ 45 milhões em emendas do relator, ou 20% de tudo o que o orçamento secreto destinou à Codevasf. Desse total, R$ 10 milhões foram alocados para a obra de uma adutora em Teotônio Vilela, onde o prefeito é Peu Pereira (PP), outro primo de Joãozinho.
Não é difícil imaginar as consequências da liberação dessa dinheirama sem controle. Tribunal de Contas da União (TCU) e Polícia Federal (PF) têm apontado sucessivas irregularidades em contratos da Codevasf. Em outubro do ano passado, a Justiça determinou o afastamento de um gerente da superintendência do Maranhão, acusado de receber propina de empresas investigadas por desvios em licitações. Sem falar na qualidade das obras, feitas por empreiteiras escolhidas sabe-se lá como.
Seria razoável esperar que, com a mudança de governo, a Codevasf se aprumasse. Passados dois meses desde que Lula tomou posse, ela continua a ser porto seguro para o fisiologismo, o clientelismo, o nepotismo e outras práticas nefastas que degradam a administração pública. Não há, tristemente, perspectiva de que essa situação mudará.
Via PE Notícias