A semana foi marcada por relatos de médicos preocupados com percepção de aumento nos atendimentos a pessoas que chegam a hospitais privados e consultórios com sintomas sugestivos do novo coronavírus. Apesar de o governo de Pernambuco destacar que há atualmente os menores registros desde março, especialistas ouvidos pelo JC alegam mobilização da rede privada para reabertura de leitos que haviam sido desativados. Os profissionais que atuam nas emergências também informam que um crescimento no aumento de pacientes com quadros leves da doença — aqueles que recebem assistência na unidade, mas não precisam ser internados.
A reportagem entrou em contato com os principais hospitais do Recife, mas foi informada que só a Secretaria Estadual de Saúde (SES) poderia repassar os números. Apenas um dos hospitais, através da assessoria de imprensa, confirmou que houve aumento de quadros leves de covid-19 nos últimos dias. O presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde e Laboratórios de Pesquisas e Análises Clínicas do Estado de Pernambuco (Sindhospe), George Trigueiro, diz que os casos suspeitos que têm aparecido têm, em maioria, negativado. “Não vemos o movimento (de aumento de covid-19); pelo menos, não fui reportado. Recebi alguns relatos que considerei fake news. Eventualmente terá um surto ou outro, como tem de conjuntivite, diarreia, herpes, amigdalite. Isso acontecerá quando houver aglomeração, e as pessoas não tiverem cuidado”, frisou George.
Mesmo sem as notificações oficiais apresentarem tendência de aumento de casos, uma fonte entrevistada pelo JC que trabalha em hospital privado, disse que foi preciso reabrir uma das unidades de terapia intensiva (UTI) para pacientes com sintomas de covid-19. Na quinta-feira (22), segundo esse profissional, 11 pessoas estavam nos leitos, o que representa a totalidade de vagas no serviço. Em semanas anteriores, esse número não chegava a cinco. Mais um médico, de outro hospital da rede particular, informou que a instituição precisou reativar 10 vagas de UTI devido ao aumento de pessoas que chegam com quadro respiratório grave sugestivo de covid-19. “Os casos tinham parado de chegar. Mas só hoje, já temos 10 vagas de terapia intensiva ocupadas. O diferencial deste momento é que o índice de gravidade dos pacientes parece ser menor do que na fase de pico da doença”.
O presidente da Sociedade de Terapia Intensiva de Pernambuco (Sotipe), Marçal Paiva Júnior, ressalta que atualmente há um movimento de reabertura de leitos de UTI que haviam sido desativados por causa da queda do número de casos graves da infecção. “Ainda não é uma realidade nos hospitais públicos, que devem ter uma reserva maior devido ao processo de criação de vagas durante a pandemia. De qualquer forma, não dá para dizer se esse cenário justifica uma tendência de aumento ou se, por enquanto, é só uma impressão”, explica Marçal.
Na visão do pneumologista Murilo Guimarães, o incremento no volume de pessoas com covid-19 é uma realidade. “Entre julho e agosto, zerei o número de pacientes em acompanhamento. Mas, desde setembro, começo a atender novos casos, que estão mais brandos do que aqueles do começo da pandemia. Isso pode indicar que o vírus perdeu um pouco a virulência (capacidade de produzir efeitos graves ou fatais), sem causar tanta inflamação como observávamos anteriormente.” Para ele, por trás dos novos casos, sempre há uma baixa de guarda relatada pelo doente. “Percebo esse aumento desde setembro. Diria que estamos vivendo a segunda onda de covid-19 com comportamento de menor gravidade”, salienta pneumologista Murilo Guimarães.
O médico Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), acrescenta que atualmente quem mais tem adoecido são os mais jovens das classes média e alta. “São pessoas que voltaram a circular e têm maior facilidade de acesso a restaurantes, bares e hotéis. E todos esses ambientes são fechados, o que favorece a propagação do novo coronavírus. Muitos dos casos que temos visto são de pessoas que haviam se reunido em festas ou que estiveram em um mesmo jantar. São ocasiões que favorecem a disseminação do vírus”, frisa Carlos. O médico diz que não dá para caracterizar esse incremento de casos como uma segunda onda de covid-19. “De qualquer forma, essa é uma percepção de aumento, e todo alerta é bem-vindo porque gera um maior cuidado entre as pessoas.”
Em coletiva de imprensa realizada na quinta-feira (22), o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, assegurou que, neste momento, não há indicativos, com base nas análises da SES, de aumento no número de casos da doença nas redes privada e pública. “É de se esperar que, se houvesse isso, tivesse rebatimento no sistema público. Não há por que ter um comportamento diferente entre a rede privada e pública neste momento da pandemia. Mas estamos vigilantes”, sublinhou o secretário André Longo.
Do JC